Em sintonia com os discursos de Lula e do ministro Fernando Haddad (Fazenda), governistas têm inundado suas redes sociais com a retórica da luta entre pobres e ricos, cenário em que o presidente da República estaria entrando em choque contra poderosos interesses do status quo empresarial e financeiro.
No discurso capitaneado pelo PT, estimulado pelo Palácio do Planalto e disseminado por perfis alinhados, a campanha é formada em boa parte por vídeos produzidos por inteligência artificial e tem como mote a defesa da “taxação BBB”, em referência a “bilionários, bets e bancos” —grupo que formaria um poderoso lobby em parceria com o centrão e a direita no Legislativo.
O Congresso é um dos principais alvos, em especial no varejo da rede social, onde o Legislativo aparece claramente identificado como “inimigo do povo”.
O direcionamento político das redes segue o discurso e a ação de Lula, que nesta terça-feira (1º) disse enfrentar uma “rebelião” toda vez que tenta cobrar mais impostos de ricos.
A declaração foi dada pouco depois de a AGU (Advocacia-Geral da União) ingressar no STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar resgatar o decreto presidencial que elevou alíquotas do IOF —derrubado pelo Congresso com 383 votos na Câmara, incluindo a maior parte das bancadas dos centro-esquerdistas PDT e PSB.
“Não é briga política, partidária. É a elite, junto com a direita e o centrão se unindo contra o povo brasileiro”, disse em um dos vídeos postados por governistas o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), cotado a ocupar a Secretaria-Geral de Lula.
Boulos e o PSOL são os que, da linha de frente lulista, mais apontam o dedo contra o Congresso. Em uma das postagens do deputado, é convocado um protesto para o dia 10 no Masp, em São Paulo, sob o mote “centrão inimigo do povo”.
O PT produziu e jogou em suas redes sociais recentemente vídeos que exploram essa retórica e que foram reproduzidos nos perfis de vários políticos governistas.
Nessas peças, feitas com IA, afirma-se que Lula busca equilibrar a balança de pagamento de impostos apesar das resistências das elites econômicas.
Um dos vídeos que viralizaram é o do “boteco do Brasa”, em que personagens engravatados aparecem em uma mesa ao lado de pessoas comuns querendo pagar menos na conta apesar de terem consumido champagne, caviar e lagosta. A peça já tem mais de 2 milhões de visualizações no Instagram.
Secretário de Comunicação do PT, o deputado Jilmar Tatto (SP) afirma que, semanalmente, o partido leva ao ar dois novos vídeos. Nesta quarta-feira (2), apoiadores do governo participarão de uma live com ênfase no discurso em favor da justiça tributária no Brasil.
“Finalmente, conseguimos uma coesão no governo, no PT e nos setores progressistas sobre a linha política para diálogo com a sociedade, que é fazer o andar de cima pagar impostos”, disse Tatto.
Segundo um integrante do governo, essa ação mais enfática nas redes nasceu a partir de uma cobrança da ministra Gleisi Hoffmann (PT), chefe da articulação política de Lula, e conta com o apoio do ministro Sidônio Palmeira (Secom).
Já em contas alinhadas, o ataque ao centrão e ao Congresso é mais explícito. Um vídeo do perfil “brasilsatiradopoder” que circulou entre governistas, por exemplo, apresenta vídeo de IA parodiando o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Na peça, ele se apresenta como “Hugo nem se importa” em um jantar de luxo, fazendo piada com gastos exorbitantes e terminando bebendo uma garrafa de uísque no bico. A paródia explora o ocorrido em uma festa de São João na Paraíba, quando o presidente da Câmara aderiu a um desafio de tomar um gole de uísque direto na garrafa.
A retórica que busca colar no Legislativo o rótulo de defensor de privilégios de ricos foi um dos motivos da rebelião em que o governo foi derrotado no caso do IOF.
Na ocasião, já havia insatisfação na cúpula de Câmara e Senado com campanhas em perfis de esquerda que apontavam o Congresso como “inimigo do povo”, em especial pela derrubada de vetos de Lula que devem beneficiar empresários do setor elétrico e aumentar a conta de luz.
Na segunda (30), Hugo Motta também foi às redes criticar o governo, afirmando que “quem alimenta o nós contra eles acaba governando contra todos”.
O governo percebeu em junho o potencial da discussão sobre mais impostos para ricos. Naquele mês, Haddadteve um enfrentamento público com deputados bolsonaristas em torno do tema e ganhou engajamento nas redes sociais.
Nas semanas seguintes, como mostrou a Folha, Lula instruiu aliados a fazer mais contrapontos públicos ao centrão e à oposição a partir do tema dos impostos.
A propagação de posts governistas sobre taxar ricos nos últimos dias deu resultados nas plataformas abertas, como X (o antigo Twitter), Instagram e Facebook.
Levantamento da Bites, consultoria especializada em dados de ambientes digitais, mostra que ao menos os governistas da Câmara têm conseguido disputar as redes abertas com opositores de Lula.
Fonte: Folha de S.Paulo
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