quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Reportagem Bomba: Deputado quer ouvir Tagliaferro e jornalistas sobre a Vaza Toga


Reportagem revela “força-tarefa judicial secreta para prisões em massa”, sob o comando de Alexandre de Moraes

O deputado federal Marcel Van Hattem (NOVO-RS) apresentou requerimento na Câmara dos Deputados para ouvir os jornalistas Michael Shellenberger, Alex Gutentag, David Ágape e Eli Vieira. Eles são os autores da segunda reportagem da Vaza Toga, revelando ordens paralelas vindas do gabinete do ministro Alexandre Moraes, para montagem de “certidões” contra presos do 08 de janeiro, baseadas em postagens de redes sociais e posicionamento político.

 Os jornalistas tiveram acesso ao material documentado pelo ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes, Eduardo Tagliaferro, que confessou o esquema, printou todas as conversas e ordens e decidiu revelar como funcionava o trabalho. Van Haten também quer ouvir Tagliaferro, que afirma ter um dossiê que comprovaria uma operação orquestrada para prejudicar a direita nas eleições de 2022.

 “Está muito claro que as vítimas do 8 de janeiro não tiveram um devido processo legal, elas sofreram perseguição. Imagina manter uma pessoa presa porque um post dele de 2018 tratava sobre a prisão do Lula. É isso que aconteceu. Prenderam centenas de pessoas, colocaram todos na Papuda e, apesar da Procuradoria-Geral da República ter solicitado a soltura de muita gente, Alexandre de Moraes pedia para que seus assessores, inclusive juízes auxiliares, mantivessem essas pessoas presas enquanto não tivessem checado as redes sociais pra ver se não havia manifestação política. Isso é ridículo. Isso é coisa de ditadura”, afirmou o deputado Marcel, autor do requerimento.

 

Marcel Van Hattem acredita ser papel da Comissão de Segurança Pública investigar possíveis abusos de autoridade e violações ao Estado de Direito, ouvindo diretamente os envolvidos nas revelações da chamada “Vaza Toga”.

 O que revela a reportagem

 Os jornalistas David Ágape e Eli Vieira produziram uma reportagem especial com 38 páginas (incluindo prints, fotos e documentos) apontando que Alexandre de Moraes “montou uma estrutura paralela de inteligência dentro dos principais tribunais do Brasil e supervisionou pessoalmente todas as etapas da operação, dirigindo um esforço secreto de dentro de seu próprio gabinete, contornando os canais legais tradicionais. O material foi divulgado na última segunda-feira (04), no site da organização Civilization Works, do jornalista americano Michael Shellenberger.

Segundo a matéria investigativa, em 8 de janeiro de 2023, o Brasil teria enfrentado sua própria versão do 6 de janeiro americano (invasão do Capitólio). Milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro, indignados com “supostas fraudes eleitorais e o retorno ao poder de um político corrupto condenado”, invadiram prédios do governo em Brasília.

Os jornalistas destacam que muitos eram idosos e nenhum estava armado. No entanto, em poucas horas, o Supremo Tribunal Federal e grande parte da imprensa classificaram o evento como uma “tentativa de golpe” e rotularam os manifestantes como “terroristas”.

Ainda destacou a reportagem “o que se seguiu foi uma repressão sem precedentes: prisões em massa, ordens de censura e a concentração de poderes extraordinários nas mãos de um único ministro: Alexandre de Moraes — o mesmo que, vinte meses depois, ordenou o fechamento da plataforma de mídia social X no Brasil por 40 dias”.

 Documentos vazados

 Novos documentos da Vaza Toga mostram que Alexandre de Moraes teria determinado a produção e se utilizado de posts em redes sociais para prender manifestantes no 8/1 por suposta tentativa de golpe de Estado. E mais: teria criado uma força tarefa paralela com ordens por meio não oficiais para levantar dados de pessoas ligadas à direita ou que criticavam o STF, Lula ou o Governo do PT.

 Por ocasião da Manifestação de 8 de janeiro, Alexandre de Moraes ocupava dois cargos poderosos: ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão que supervisiona as eleições no Brasil. Ele, segundo a Vaza Toga, usou essa dupla função para contornar limites legais, transformando funcionários do tribunal em uma unidade de inteligência.

O material revela que, embora a operação fosse dirigida a partir do gabinete de Moraes no STF, as principais tarefas ficavam a cargo da equipe de desinformação do TSE — originalmente criada para monitorar o conteúdo eleitoral online —, “que foi pressionada a participar apesar de não ter jurisdição sobre questões criminais.

Naquela altura, as eleições já haviam terminado há muito tempo, Lula já estava no cargo e, segundo especialistas jurídicos, o TSE não tinha mandato formal para se envolver em investigações criminais”, destacam os jornalistas.

 Os prints entregues pelo ex-assessor Tagliaferro mostram que a força-tarefa operava por meio de um grupo no WhatsApp. Ao invés de acusações legais ou provas formais, ela se baseava em “certidões” informais geradas por meio do acesso a bancos de dados confidenciais e vigilância digital improvisada. Um simples comentário poderia ser suficiente para rotular alguém com uma “certidão positiva” — uma classificação informal que, na prática, ajudava a manter alguém na prisão. Essas certidões, segundo os jornalistas, nunca foram compartilhadas com os advogados de defesa e nunca foram analisadas pelos promotores.

 


Os presos do 8 de janeiro

 Registros oficiais do STF mostram que 243 pessoas foram presas no 8 de Janeiro dentro de prédios do governo. Elas foram acusadas de crimes graves, como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito e participação em organização criminosa, recebendo posteriormente sentenças de até 17 anos — tão severas quanto as aplicadas a criminosos violentos —, embora a maioria não tivesse cometido nenhum ato de vandalismo.

A reportagem ainda ressalta que as acusações “eram genéricas, severas e não individualizadas; bastava simplesmente passar pelo Congresso para ser acusado de tentar derrubar o Estado, incluindo casos de três indivíduos sem-teto, além de crianças e idosos com graves problemas de saúde.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal impôs uma multa coletiva de R$ 30 milhões, a ser dividida solidariamente entre todos os condenados, independentemente de suas ações individuais”.

As prisões continuaram. Outras 1.929 pessoas foram detidas no dia seguinte em acampamentos na frente de instalações militares, onde milhares se reuniram após as eleições para protestar pacificamente.

 Por ordem das autoridades, eles foram enganados pelo próprio Exército em que confiavam: os oficiais disseram que os levariam à rodoviária para voltarem para casa, mas, em vez disso, os entregaram à polícia, que conduziu os manifestantes de portas de quarteis diretamente para a prisão. Antes desse fato, o Exército brasileiro havia descrito anteriormente essas agremiações como “expressões legítimas da liberdade de expressão”.

A reportagem da Vaza Toga traz revelações sobre a prisão de pessoas comuns, que não participaram dos atos de vandalismo, como um caminhoneiro e um ambulante, que foram presos com base apenas em críticas nas redes sociais.

Os autores da reportagem também apresentaram prints de provas entregues por Tagliaferro para alguns juristas que apontaram:

·   Abuso de poder: unidades do TSE agiram como polícia, usando dados biométricos e se infiltrando em grupos privados;

● Violações do devido processo legal: detenções centralizadas sob o juiz Alexandre de Moraes, prazos ignorados e “certidões” informais usadas para justificar a prisão;

● Viés político: liberdade ou detenção frequentemente ligadas a posições ideológicas, não a provas.

A mão de ferro por trás da força-tarefa

 Os prints e documentos trazidos na reportagem mostram que foi criado, apenas cinco dias após os distúrbios, um grupo do WhatsApp chamado de “Audiências de Custódia”, incluindo agentes cuidadosamente selecionados do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), todos profundamente leais a Moraes. São eles:

● Cristina Yukiko Kusahara (STF) - Chefe de gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Kusahara criou e administrou o grupo do WhatsApp que coordenou as operações de custódia de 8 de janeiro. Ela é a assessora mais próxima de Moraes desde 2019, quando foi formalmente nomeada para coordenar as operações internas do “Inquérito das Fake News” — uma investigação estabelecida como uma expansão dos poderes do STF por meio da interpretação de seu estatuto.

Seu nome aparece em mensagens vazadas como a “idealizadora do esquema para fabricar cobertura legal para ações que careciam de base jurídica adequada”.

Kusahara atuava como representante informal de Moraes dentro do TSE, apesar de não ocupar nenhum cargo oficial no tribunal. As ordens vinham diretamente dela, que repassava as exigências do gabinete de Moraes e até pressionava os juízes responsáveis pelas audiências. “Ela basicamente dizia aos juízes o que fazer”, disseram as fontes.

 ● Eduardo Tagliaferro (TSE) - Na época chefe da Unidade Especial de Combate à Desinformação (AEED) do TSE.

Tagliaferro foi o único funcionário formalmente nomeado por Moraes — por meio de publicação no Diário Oficial da União — para participar das operações de prisão de 8 de janeiro. Ele foi responsável pela elaboração de certidões de classificação dos detidos.

Mensagens vazadas mostram que ele recebeu ordens secretas via WhatsApp para redigir relatórios incriminatórios contra alvos pré-selecionados — incluindo jornalistas, políticos e veículos de comunicação.

● Marco Antônio Martins Vargas (TSE) - Juiz auxiliar de Moraes no Tribunal Eleitoral.

Vargas era formalmente responsável pelas questões jurídicas e processuais durante a presidência do juiz no TSE.

Segundo a reportagem, ele deu cobertura institucional a operações secretas, permitindo que relatórios encomendados secretamente pelo gabinete de Moraes fossem atribuídos a ele, conferindo-lhes uma aparência de legalidade. Quando um documento revelou acidentalmente sua verdadeira origem, ele alertou: “Beleza, só não envia a foto que dá pra ver que foi dado obtido pelo TSE”.

Seu comentário mais perturbador foi em referência ao jornalista exilado Allan dos Santos, cuja extradição foi rejeitada pelos EUA e pela Interpol. Vargas escreveu: “Dá vontade de mandar uns jagunços para pegar esse cara à força e colocá-lo em um avião brasileiro”.

● Airton Vieira (STF) - Juiz que atuou como assessor judicial de Moraes no Supremo Tribunal Federal.

Airton Vieira foi responsável por conduzir muitas das audiências de custódia de 8 de janeiro.

Ele deu instruções detalhadas sobre como falsificar a origem de relatórios para justificar prisões e proibições de conteúdo, coordenou a censura extraoficial e pediu a criação de e-mails anônimos para “aquecer” denúncias. Ele reconheceu a ilegalidade do esquema e temia ser exposto — o que acabou acontecendo.

Em um chat em grupo, quando Tagliaferro levantou preocupações sobre a falta de conteúdo incriminatório em um caso que ele estava montando contra a Revista Peste, uma revista brasileira de direita, Vieira encorajou a fabricação: “Use sua criatividade... rsrsrs”.

Entre os alvos estava Paulo Figueiredo, um jornalista brasileiro radicado na Flórida, cujo caso Vieira disse a Tagliaferro para “caprichar” a fim de justificar o congelamento de bens e o cancelamento de seu passaporte; e Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, que agora vive nos EUA.

Outros assessores do TSE contribuíram para a investigação, mas raramente apareceram nas conversas do grupo. Sua missão: traçar o perfil de mais de 1.400 detidos em massa, usando qualquer vestígio digital disponível — e fazer isso rapidamente. O principal deles era Tagliaferro, que, com alguns assistentes, produziu as certidões com base em pesquisas apressadas nas redes sociais e dados extraídos de bancos de dados do tribunal.

 

As certidões que determinaram quem poderia sair em liberdade

 O cerne do sistema de detenção de Moraes era a “certidão”. Esse documento não tinha valor legal. Segundo a matéria, nunca foi compartilhado com os advogados de defesa. No entanto, desempenhou um papel decisivo na determinação de quem permanecia na prisão — pelo menos, é o que as mensagens vazadas sugerem que era a intenção.

A reportagem narra que tudo começou com listas informais enviadas pelo STF e pela polícia com nomes e, em alguns casos, números de identidade. Funcionários do tribunal então extraíram dados do banco de dados da Receita Federal do Brasil (bCPF) e do Registro Nacional de Carteiras de Motoristas (RENACH).

Eles também acessaram sistemas internos como o GestBio, o banco de dados biométrico do TSE que contém imagens faciais, impressões digitais e dados pessoais de quase todos os brasileiros adultos.

De acordo com o advogado constitucionalista Richard Campanari, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), “o uso do GestBio para fins investigativos é inconstitucional e representa um grave uso indevido de dados pessoais sensíveis. Ele explica que o sistema foi criado exclusivamente para fins eleitorais, como evitar registros eleitorais duplicados, e seu uso fora desse âmbito viola o princípio da finalidade limitada previsto na Constituição e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”.

Campanari também alerta que o acesso a dados biométricos sem uma ordem judicial adequada ou autorização legal explícita não apenas viola as leis de proteção de dados, mas pode constituir abuso de autoridade e a criação de um aparato de vigilância clandestino.

Esta não foi a primeira vez que as autoridades brasileiras infringiram as regras. O Twitter Files Brasil revelou como, nos anos que antecederam as eleições de 2022, o TSE pressionou plataformas a entregar dados de usuários — incluindo endereços IP e mensagens privadas. As ordens judiciais visavam cidadãos que postaram hashtags críticas às urnas eletrônicas brasileiras.

Assim como no caso do Twitter, as “certidões” produzidas a partir das consultas ao GestBio nunca fizeram parte dos autos oficiais. Alguns foram discretamente armazenados no sistema interno do TSE — ainda acessíveis online por meio de links diretos —, mas os advogados de defesa afirmam que as certidões não constam nos autos oficiais de seus clientes — nem nas ações criminais nem nas petições processuais. Eles eram invisíveis no tribunal, mas decisivos na prática.

O uso do GestBio pela equipe de desinformação foi autorizado em setembro de 2022 pelo juiz do TSE Benedito Gonçalves (o mesmo que cochichou no ouvido de Moraes no dia da diplomação de Lula “Missão dada é missão cumprida”). No entanto, o acesso ao sistema não foi concedido imediatamente, pois havia dúvidas se o corregedor eleitoral tinha autoridade para conceder tal acesso.

Segundo fontes, o administrador do sistema, Iuri Camargo Kisovec,resistiu, temendo ser responsabilizado pessoalmente por qualquer uso indevido do sistema. Ele teria ficado incomodado com a crescente influência da AEED dentro do tribunal e sua estreita aliança com Moraes, a quem considerava autoritário.

Como unidade preferida de Moraes, a AEED era vista como politicamente delicada, e Camargo temia que conceder acesso ao GestBio pudesse acabar sendo usado contra ele.

O registro eleitoral sempre foi o orgulho do TSE e de seus funcionários de carreira, que há muito temiam que esses dados pudessem um dia ser usados indevidamente. Na verdade, nem mesmo a Polícia Federal tinha um banco de dados biométrico comparável ao do TSE.

 


O que buscavam para as certidões

O padrão era tudo o que a equipe conseguisse encontrar. Isso poderia

incluir:

● Compartilhar publicações nas redes sociais sobre os protestos;

● Crítica ao Supremo Tribunal Federal ou ao presidente Lula;

● Participação em um grupo do Telegram ou Whatsapp;

● Retuitar conteúdo relacionado às eleições rotulado como “desinformação”.

● Menções em reportagens;

● Denúncias anônimas postadas online.

Cada certidão era baseada em pesquisas rápidas em plataformas como Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, Telegram e Gettr. Se algum conteúdo fosse encontrado, o detido recebia uma “certidão positiva”. As principais fontes utilizadas para justificar os rótulos eram frequentemente artigos de notícias e perfis anônimos no Twitter — muitas vezes sem verificação da autoria ou do contexto.

Isso por si só era suficiente para justificar a detenção — independentemente deantecedentes criminais, comportamento violento ou mesmo presença dentro de prédios governamentais. Se nenhum conteúdo desse tipo fosse encontrado, o detido poderia ser rotulado como “negativo”. De qualquer forma, as decisões eram tomadas em questão de minutos.


Erros eram comuns. Em um caso, uma mulher chamada Vildete foi erroneamente sinalizada como “positiva”. Minutos depois, a equipe percebeu que a havia confundido com outra pessoa e mudou sua classificação para “negativa”. A mulher era provavelmente Vildete da Silva Guardia, uma aposentada de 74 anos que se tornou uma das vítimas mais simbólicas dos abusos. Mesmo com a certidão corrigida, ela permaneceu na prisão — e só foi libertada 21 dias depois devido a uma hemorragia intestinal grave.

 

Vildete da Silva Guardia, 74 anos, foi tirada de casa e posta na prisão, recebendo uma sentença de 11 anos e 11 meses depois de se esconder no Planalto para escapar de gás lacrimogêneo. Mais de um ano depois, a avó permanece presa em uma cadeira de rodas, com pedidos de libertação por razões médicas ignorados.

Mais tarde, Vildete foi condenada por associação criminosa e tentativa de derrubar o Estado democrático de direito à força. Sua sentença: 11 anos e 11 meses de prisão, além de uma multa de R$ 30 milhões a ser dividida com os co-réus. Em junho de 2024, ela foi presa novamente sob a alegação genérica de “risco de fuga”. 

 Apesar do visível declínio físico e de doenças crônicas, ela passou mais dez meses na prisão até receber prisão domiciliar em abril de 2025 — após a indignação pública pela morte de outro detento, Cleriston Pereira da Cunha, conhecido como Clezão, que morreu sob custódia depois que Moraes ignorou uma recomendação do Ministério Público para sua libertação.

Mas a clemência para com Guardia não duraria muito. Em julho de 2025, alegando que ela desrespeitou as condições da prisão domiciliar, Moraes a enviou de volta à prisão fechada.

Outro detido, Claudiomiro da Rosa Soares, motorista de caminhão, foi sinalizado como “positivo” por uma série de postagens no Facebook. Ele havia criticado o presidente Lula e questionado as eleições de 2022. Entre os conteúdos citados: um meme perguntando “Como esse cara conseguiu 60 milhões de votos?” depois que Lula foi vaiado no funeral de Pelé; um comentário acusando os juízes do Supremo Tribunal Federal de serem “vendidos”; e uma notícia republicada sobre fraude eleitoral com um comentário: “Então, segundo o cabeça de ovo (Moraes), ninguém pode questionar nada?”

Certidão positiva emitida contra Claudiomiro Soares, um caminhoneiro. Dados pessoais removidos. Ele expressa ceticismo contra a vitória de Lula e diz, sobre Moraes, “Segundo o cabeça de ovo, ninguém pode questionar?”

Soares não foi preso durante os distúrbios, mas no dia seguinte, 9 de janeiro, no quartel-general do Exército em Brasília. Soares passou 11 meses e 7 dias na prisão sem nunca ter cometido um ato violento.

Em outro caso, Adenilson Demetrio de Cordova recebeu um rótulo “positivo” por causa de uma única postagem encontrada no X. Ela tinha um link para uma petição intitulada “Manifesto à Nação Brasileira – Em Defesa da Liberdade”, publicada meses antes das eleições de 2022 por um perfil com zero seguidores e zero visualizações. A petição, lançada pelo grupo Advogados da Direita Brasil, tinha mais de 1,66 milhão de apoiadores e expressava apoio pacífico ao então presidente Jair Bolsonaro. Cordova foi preso em Brasília em 8 de janeiro. Ele alegou que estava protestando pacificamente por direitos básicos.

Passou quatro meses na prisão, seguidos por mais de um ano em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Em uma campanha pública de arrecadação de fundos em junho de 2024, ele descreveu estar sobrecarregado por dívidas e sem condições de pagar sua defesa.

Certidão positiva emitida contra Adenilson de Cordova. As “provas” contra ele consistem em um único tweet compartilhando o link de uma petição sobre “defesa das liberdades”. Ele não tinha nenhum seguidor. Dados sensíveis do TSE removidos. Um detido, Ademir da Silva, foi classificado como “positivo” com base em uma única postagem no Instagram. A imagem dizia: “Fazer valer a Constituição não é golpe”. Isso por si só foi classificado como “antidemocrático” e como evidência de “insatisfação com os resultados das eleições de 2022”. Nenhum outro conteúdo foi citado.

Certidão positiva emitida contra Ademir da Silva. A certidão contém apenas uma postagem no Instagram. Dados sensíveis do TSE removidos. Um caso ainda mais absurdo envolveu outro Ademir — desta vez, Ademir Domingos Pinto da Silva, um vendedor ambulante de 54 anos do sul do Brasil. Ele nem estava presente nos distúrbios de 8 de janeiro. Chegou mais tarde naquela noite ao acampamento militar em Brasília, após o fim da invasão, apenas para vender bandeiras e camisetas. A polícia o impediu de sair e ele foi detido. Ele foi rotulado como “positivo” não por qualquer ato de violência, mas por tuítes de 2018 criticando Lula e o Partido dos Trabalhadores. Nenhum deles mencionava 8 de janeiro — nem mesmo as eleições de 2022.

Certidão positiva emitida contra Ademir Domingos da Silva. Tudo o que a equipe do TSE conseguiu juntar contra ele foram cinco tweets de 2018 em que ele criticava Lula e outros líderes do Partido dos Trabalhadores. Dados pessoais do GestBio removidos.

Mesmo assim, sua certidão foi assinada pela unidade de desinformação do TSE e usada para justificar quatro meses de prisão e uma condenação criminal. Ele agora usa uma tornozeleira eletrônica e é obrigado a cumprir serviço comunitário e frequentar um curso sobre democracia e tentativas de golpe determinado pelo tribunal. Seu advogado chamou o caso de “uma mancha vergonhosa no Supremo Tribunal Federal” e disse que Ademir foi condenado “sem que um único juiz lesse seu processo”.

Esses não foram casos isolados. Mesmo indivíduos com certidões “negativas” eram frequentemente mantidos atrás das grades por semanas ou meses. Os critérios para a manutenção da detenção permanecem obscuros. De acordo com o próprio Supremo Tribunal Federal, das 1.406 pessoas presas após 8 de janeiro, 942 tiveram sua detenção convertida em prisão preventiva. Apenas 464 receberam liberdade provisória.

 Tagliaferro quer abrigo nos EUA

 De assessor de confiança do ministro do Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para indiciado por vazamento de mensagens da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação e, agora “delator” das supostas arbitrariedades praticadas pelo magistrado.

Tagliaferro tem dado entrevistas e mantém ameaças de expor novas conversas sobre supostos atos ilícitos e arbitrários de Moraes na presidência do TSE.

Em entrevista ao Timeline, programa comandado pelo comunicador bolsonarista Allan dos Santos, o ex-assessor afirmou ter saído do Brasil e ido viver na Itália, onde poderia atuar para denunciar o ministro. No episódio do último dia 30 de julho, no qual foram repercutidas as sanções de Trump a Moraes, Tagliaferro disse “estar batalhando” para ir aos Estados Unidos.

“Se dentro do nosso País a gente não consegue resolver, nós vamos para fora, sim. Vamos buscar apoio internacional, porque dentro do Brasil não tem o que fazer”, respondeu Tagliaferro

O ex-assessor afirmou que o seu objetivo é intensificar as pressões que partem dos Estados Unidos para dar a “apunhalada no pescoço” de Moraes. Em suas vagas explicações sobre o que levou a nutrir ódio pelo ministro, Tagliaferro disse que “só entravam coisas de direita no gabinete e nada de esquerda”.

“Destruiu a minha vida e a de várias pessoas, isso é pouco, logo eu estarei mostrando para o Brasil quem é Alexandre de Moraes e os bastidores do seu gabinete”, escreveu Tagliaferro nas redes sociais.

O ex-assessor diz que reconhece as ordens como ilegais, mas ressaltou: “Não existia alternativa de deixar de fazer”.

 Moraes determina bloqueio nas contas de Tagliaferro

 O Banco Central do Brasil informou ao ministro Alexandre de Moraes, na última sexta (01), que havia detalhado a orientação a todas instituições financeiras para congelar ativos, cartões e chaves Pix do perito Eduardo Tagliaferro, o ex-assessor.

A autarquia confirmou que cumpriu a ordem do ministro em inquérito que investiga o ex-assessor por suposta prática de violação de sigilo funcional, com dano à administração pública, justamente a investigação aberta depois dele vazar as mensagens com ordens para elaboração das certidões.

O advogado Igor Lopes, que representa Eduardo Tagliaferro, considerou ‘desarrazoado’ o bloqueio.

O ofício do BC destaca que ‘as chaves Pix vinculadas ao CPF do investigado, registradas no Diretório de Identificadores de Contas Transacionais (DICT), foram bloqueadas por esta Autarquia em 31 de julho de 2025’.

De acordo com o BC, a decisão do ministro foi proferida no Inquérito 12936/DF, que tramita sob sigilo. A comunicação sobre o bloqueio das contas foi ‘transmitida a todas as instituições financeiras’.

 




Ceará Mirim