Dois episódios recentes de desabamentos em Natal reacenderam o alerta sobre a precariedade estrutural de imóveis e a necessidade de maior fiscalização e manutenção predial na capital potiguar. Os casos, ocorridos no início deste mês, envolveram a queda de uma estrutura sobre um pedestre e o desabamento da fachada de uma padaria. Além disso, no último mês de março um prédio antigo também colapsou na Rua Frei Miguelinho, no bairro histórico da Ribeira.
O caso mais trágico ocorreu na tarde do dia 5 de junho, na rua Alberto Silva, zona Leste de Natal. Damião Bezerra de Oliveira, de 81 anos, foi atingido pela laje de um imóvel em obra enquanto caminhava pela calçada e morreu no local. Segundo o Corpo de Bombeiros, uma mulher que também passava conseguiu escapar sem ferimentos. A área não possuía sinalização e, até o momento, nenhum responsável pela obra foi identificado. O Instituto Técnico-Científico de Perícia (Itep-RN) foi acionado para remover o corpo, e a Polícia Civil ainda apura as circunstâncias do desabamento.
Vizinho à casa onde aconteceu a tragédia, o comerciante Antônio Rondinellis relatou o momento do acidente. “O desabamento foi na hora do almoço, no horário de descanso da gente. De repente foi um barulho feio. Fomos para a rua, vimos que tinha desabado, tinha uma vítima, a gente correu, tentou ajudar, socorrer, só que as pedras eram muito pesadas, foi um desespero grande, uma tristeza. Infelizmente, uma tragédia. Conhecia ele há mais de 20 anos. Era uma pessoa boa que morreu dessa forma tão trágica”, conta.
A cena chocou também Josiele Alves. “A gente que está aqui na rua há muito tempo, conhecia bem ele. Tinha uma barbearia e todos os dias ele passava para almoçar. Infelizmente, nesse dia, isso aconteceu. A gente fica muito triste mesmo, pensando que poderia acontecer com qualquer um. Era uma obra que estava parada, a gente não via os moradores, acho que estava abandonada aí e depois que aconteceu eles não vieram mais. Foi um choque grande”, complementa a comerciante.
Outro caso de risco estrutural ocorreu três dias depois, na Cidade da Esperança, zona Oeste da cidade. A marquise de uma padaria desabou no domingo último (8). O estabelecimento estava fechado e não havia pessoas na calçada, o que evitou feridos. O Corpo de Bombeiros isolou a área e, no dia seguinte, a Defesa Civil fez uma inspeção técnica. Fissuras internas foram detectadas, e o órgão recomendou o isolamento da calçada para prevenir novos acidentes.
O proprietário do imóvel foi orientado a realizar os reparos necessários. A situação, embora não tenha causado vítimas, expôs a fragilidade de estruturas comerciais e a urgência de ações preventivas. Roberto Wagner, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do RN (CREA-RN), explica que a fiscalização depende do tipo de ocorrência. “No caso desses dois desabamentos recentes, temos duas circunstâncias distintas. Uma, ocorria uma obra que não tinha responsável técnico, não tinha engenheiro, não tinha ninguém, e numa demolição, provocou a morte de alguém que estava passando na calçada”, detalha.
Roberto explica que, neste cenário específico, o CREA atua diretamente. “O proprietário do imóvel, é multado, é acionado pelo CREA por exercício ilegal da profissão. Então vai ocorrer um processo, ele vai ser multado, e também a gente comunica, no caso, a Defesa Civil e a Polícia Civil, para que sejam feitas as apurações civis e criminais.” Já no caso da padaria, sem obra em andamento, a atuação do órgão se restringe. “A nossa ação é mais limitada, porque a gente está sempre rastreando onde tem o exercício profissional. Em caso de não ocorrer obra, a gente precisa contar com a ajuda da população”, relata o profissional.
O CREA reforça que, em casos de obras em andamento, a participação da população é essencial para a prevenção. “Quando a gente pega, a gente abre, lavra um auto de infração para o proprietário como exercício ilegal, mas em caso de não ocorrer obra, a gente precisa contar com a ajuda da população, denunciando para que nossa fiscalização vá a campo e a gente permita que um profissional seja responsável ou cobre do dono do imóvel uma ação preventiva de manutenção”, reforça Roberto Wagner.
Histórico de desabamentos
Outro episódio ocorreu mais cedo, em 27 de março, quando um casarão antigo desabou na Rua Frei Miguelinho, no bairro histórico da Ribeira. A queda destruiu também o prédio vizinho, onde funcionava o almoxarifado de uma empresa de refrigeração. A fachada principal foi a única parte da estrutura que permaneceu de pé. O local, próximo à Casa da Ribeira, está em uma região conhecida por abrigar imóveis históricos com décadas de existência e pouca manutenção.
Este não é um caso isolado na Ribeira. Em 2020, outro casarão desabou na Rua Chile, onde funcionava a antiga boate Arpege. Um relatório da Defesa Civil divulgado em 2018 já apontava que pelo menos 22 imóveis em Natal estavam sob risco de colapso. A ausência de cuidados, segundo o documento, transformava as estruturas em pontos críticos, com potencial para tragédias e riscos à saúde pública.
Fonte: Tribuna do Norte
Foto: Magnus Nascimento